Regimes Sucessórios: União Estável X Casamento – Leading Case: RE 878.694 com Repercussão Geral Reconhecida – (AS)Simetria dos Institutos? – Art. 1790 do C.C. é IN(Constitucional)? – Segurança Jurídica X Instabilidade Social – Insistentes Pedidos de Vistas dos Ministros e Julgamento Suspenso.
(por Ricado Politano, advogado especialista em Direito de Família e Sucessões)
Se por um lado é certo que a controvérsia em matéria do direito sempre existiu e existirá, “sendo o céu o seu limite”, não é menos manifesto que para alguns temas de enorme ressonância se faz necessário chegar a um termo final, ainda que desagrade a uma parcela da população.
Não se olvide que o ser humano busca incessantemente a certeza e, por óbvio, não tolera e sequer deseja a dúvida. Aliás, importante lembrar, nessa breve mas importante ponderação inicial, que a grande preocupação kelsiana, em se tratando de definir direito como ciência, notadamente na obra teoria pura do direito, foi, exatamente, fazer-nos entender que a ciência jurídica deve ser, à toda evidência, um fator de estabilidade do ordenamento jurídico, conferindo, dessa forma, segurança aos cidadãos. Logo, a contrario sensu, a instabilidade social não é e jamais será salutar para o Direito, eis que provoca forte e desnecessário desequilíbrio social.
Com efeito, já aprendemos que “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito´[1]
Com efeito, o princípio da segurança jurídica é um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, sendo, portanto, irretorquível, a necessidade imperiosa de se homenagear este princípio nesse breve escrito.
Aos que labutam na seara jurídica sabem o quão difícil é orientar um cliente diante de “águas jurídicas turvas”.
Pois bem. Direto ao ponto: Na qualidade de advogado dos interesses do seu cliente, levando-se em conta o tema “regime sucessórios dentro do contexto da união estável”, como orientar o seu cliente??? Para tentar responder esta questão, vamos ao caso concreto/leading case, em trâmite no STF, com repercussão geral conhecida – RE 878.694/M.G
Ao caso posto e de forma bem sucinta, que é o que nos interessa, mesmo porque os fatos já se encontram consolidados e o julgamento já fora iniciado. Nos atreveremos a tentar sintetizar um processo bastante extenso, mas naquilo que julgamos interessante: (i) Na origem, fora reconhecido que a convivente de homem falecido seria herdeira universal dos bens do casal, conferindo-se, por assim dizer, tratamento isonômico ao instituto da união estável em relação ao casamento. (ii) Por sua vez, o tribunal mineiro, reformando a decisão a quo, reconheceu a constitucionalidade do artigo 1790 do C.C., que conferiu à mulher, apenas e tão somente o direito a um terço dos bens adquiridos de forma onerosa pelo casal e, o restante do patrimônio, passou a ser destinado aos irmãos do falecido; (iii) Não contente, a viúva veio a interpor o recurso extraordinário em epígrafe, insurgindo-se contra a decisão do TJ/MG, sob o argumento de que a Carta Magna não diferenciou as famílias constituídas pela união estável daquelas constituídas pelo casamento e, fundamenta-se no art. 102, III, a, 5º, I, e 226 parágrafo 3º, todos da CF, defende a inconstitucionalidade do 1790 CC, eis que confere aplicação ao 1829 do mesmo diploma, referenciando-se, assim, ao princípio da dignidade da pessoa humana.
O ingresso da peça recursal deu-se em 26/03/2015, sendo distribuído ao eminente relator, ministro Luiz Roberto Barroso que, já no dia seguinte determinou o levantamento do segredo de justiça, situação essa importantíssima para que os integrantes da área jurídica venham a acompanhar, e, desde já, rendemos nossas homenagens. De igual forma, merece nossos aplausos o reconhecimento pelo tribunal, por unanimidade, de reconhecimento e existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.
Muito embora a PGR tenha se manifestado pelo desprovimento do recurso, fundamentando-se, dentre outras coisas, na autonomia da vontade, na legitimidade constitucional da própria diferenciação feita pela Carta Política, entre os institutos, e, na facilitação à conversão ao casamento, o ministro relator proferiu o seu voto pelo provimento do recurso, sendo acompanhado, à época, por 06 (seis) ministros. São eles: Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia.
No processo, intervieram, como amicus curiae, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Instituto dos Advogados Brasileiros e Associação de Direito de Família e das Sucessões – ADFAS, cada qual trazendo importantes e valiosas lições que vieram ao encontro do voto do relator, que julgou pela inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios entre os cônjuges e companheiros prevista no artigo 1790 do Código Civil, fundamentando-se, em apartada síntese, na discriminação da companheira, vez que lhe concede direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade, como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso.
Nesse ponto, o que fez o eminente ministro Dias Tofolli, após 07 (sete) votos (como qualquer bacharel sabe, são 11 (onze) ministros a julgar), pelo provimento do recurso? Pediu vistas! Isto mesmo, vistas! Após longo período, o eminente ministro Dias Tofolli devolve o processo e inaugura divergência (podemos estar enganados, mas divergência esta natimorta).
E aí, matéria decidida pelo pleno? NÃO! Desta feita, o ministro Marco Aurélio pede vistas! Isto mesmo, vistas! Tenha santa paciência (perdoem os leitores!). Será que algum ministro não conhece a fundo esta matéria? A divergência, cujos fundamentos todos conhecem antecipadamente, teria sido tão convincente assim para o pedido de vistas?
Alguns dos nossos colegas defendem os pedidos de vistas no meio jurídico denominando-os como “elementos ponderadores” para as decisões, mas, pessoalmente, tenho inúmeras dúvidas, eis que, com a devida vênia estão mais para fatores procrastinatórios, uma vez que, reitere-se, (i) foram 07 (sete) votos proferidos pelo provimento do recurso (maioria). Mas, alguém poderá dizer que aqueles que já proferiam tais votos poderão revê-los. Não, não cremos nessa hipótese, eis que (ii) o cerne da questão já foi esmiuçado pela doutrina, partes deste processo, amicus curiae e, de outra banda, (iii) já conhecemos a posição da corte constitucional em casos similares (mas, na remota hipótese de reverem seus votos, nos causará muita estranheza).
Por derradeiro, se no início dissemos que o reconhecimento de repercussão geral e o levantamento do sigilo renderam nossas homenagens, o mesmo não ocorre com os insistentes pedidos de vistas.
E, assim, o julgamento do recurso encontra-se suspenso e nós operadores do direito, ainda estamos navegando em “águas jurídicas turvas”, causando “muitos maremotos”, em função de inacreditáveis pedidos de vistas. Tudo isto nos coloca na contramão daquilo que Hans Kelsen, Canotilho e toda a doutrina nos ensina – o tão propagado e homenageado princípio da segurança jurídica, servindo como garantia de um estado democrático de direito, a inibir a instabilidade social.
Por ora, nos compete ficar na torcida para que, ao menos, o eminente ministro Marco Aurélio seja breve em “suas vistas” e devolva o processo para julgamento do pleno, pois sabemos que “justiça tardia é injustiça qualificada” (Rui Barbosa).
[1] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 2.