Fundamentação: o que é isso, afinal?
Publicado por Tatiana Fernandes – 10 horas atrás
"Há algo de podre no reino da Dinamarca." Com a célere frase de William Shakespeare é que se anuncia a tragédia na peça Hamlet, referindo-se às barbáries que tomavam cenário na estória.
Aqui, um reino tão distante, a indecência toma assento nos Três Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, se enraizando e institucionalizando de tal forma que o combate aos abusos cometidos diariamente pelos seus membros é algo impensável, inatingível e inimaginável.
No Judiciário esses abusos tomam forma de decisões. Julgamentos subjetivos e ideias pré-moldadas escondidas em sentenças supostamente fundamentadas – de maneira superficial – que colocam em xeque a imparcialidade do juiz e o princípio constitucional da motivação.
Decisões pautadas em meras opiniões são inconstitucionais, mas são proferidas tão repetidas vezes que se tornaram triviais e, em boa parte, sedimentadas em jurisprudência.
“Indefiro o pedido de tutela antecipada por não vislumbrar o requisito da verossimilhança nas alegações”, ou “o quantum indenizatório é arbitrado observando os critérios para a sua fixação” são típicos exemplos de insuficiência de fundamentação. Artifícios utilizados diariamente por juízes, possivelmente como forma de facilitar o trabalho sob o argumento de excesso de processos em pauta.
Para combater tais deliberações é absolutamente necessário o debate acerca do que exatamente significa a fundamentação.
Fundamentar uma decisão é apresentar expressamente a motivação da disposição, da valoração dos documentos apresentados, da legislação aplicável ao tema, tudo dentro de uma coerência lógica. Passa longe de um simples “mencionar”.
A ausência de fundamentação suficiente vem abrindo portas para o perigoso cenário atual, constantemente objeto de críticas pelos estudiosos do direito: a arbitrariedade das decisões proferidas sem qualquer respaldo legal ou em contrariedade à lei.
Ao longo do tempo o mundo jurídico se deu conta de que nada pode ser engessado ou fossilizado, mas no âmbito das decisões é necessário que haja a exposição do exercício mental que levou o juiz ao convencimento final, apontando o enfrentamento dos fundamentos essenciais expostos pela parte.
Por óbvio que existem casos em que a decisão pode sim ser proferida sem base legal, ou contrariando o texto de lei, mas, ainda assim, são casos excepcionalíssimos nos quais se verifica que há insuficiência legislativa, ou, ainda, disposição legal notoriamente obsoleta comparada ao avanço da sociedade.
A excepcionalidade, todavia, vem se tornando cada vem mais presente, abrindo um perigoso precedente de supremacia do Poder Judiciário e submissão do Legislativo. Se os poderes são independentes e harmônicos entre si, a fundamentação de um julgado é importante, também, para a demonstração do magistrado de observação ao princípio da legalidade e respeito ao Estado Democrático de Direito.
O grande desafio do jurista é, então, encontrar o ponto de equilíbrio. Sempre foi assim. Da rigidez de um positivismo exacerbado (juiz “boca da lei”) ao abuso do poder de convencimento do magistrado, revestido de aparente legalidade, protegida sob o manto do neoconstitucionalismo.
Nós, cidadãos, não precisamos de pessoas que queiram “ser” magistrados. Precisamos de seres humanos que queiram “estar” magistrados a serviço da justiça, vocacionados à sublime função julgadora, estudiosos afincos com o intuito de melhor aplicação do direito, o mais livre possível de contaminações de cunho pessoal.
Nesse ponto, é de se tirar o chapéu para a redação dos § 1º e 2º do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil:
“§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”.
Não foi à toa que surgiu a necessidade de inclusão desses parágrafos em ampliação ao que atualmente prevê o artigo 458 do Código de Processo Civil. Um avanço para a Justiça, um ganho para a sociedade. Um alívio para os advogados.
Esperamos o seu fiel cumprimento pelos nobres julgadores.

