Barcarena impõe lei inconstitucional sobre a contratação de trabalhadores para o Distrito Industrial da cidade
Publicado por Fabio Monteiro Lima – 1 mês atrás
INTRODUÇÃO
Em 09/09/2015 fora sancionada a Lei Municipal n. 2.168 da Cidade de Barcarena, que cria um duplo sistema de cotas para as vagas de emprego a serem abertas apenas pelas empresas prestadoras de serviço localizadas em seu Pólo Industrial.
O art. 1º determina que 80% das vagas a serem abertas no setor devem ser preenchidas por cidadãos barcarenenses, o que se comprovaria pelo título de eleitor emitido na cidade há mais de 6 (seis) meses em relação à seleção. O art. 2º, ressalva que a cota não se aplica para cargos que exijam “graduação superior com titulação de Mestrado e/ou Doutorado.”
O art. 3º cria uma segunda cota, esta para mulheres, na fração de 20%. Em ambos os casos, não havendo candidatos dentro das características, é permitida a livre contratação. As sanções começam pela suspensão de 24 horas das atividades e chegam à ‘suspensão definitiva do alvará de funcionamento’ (art. 5º, IV).
Esta lei padece de vícios de inconstitucionalidade formal e material, vejamos:
O inteiro teor da Lei pode ser consultado aqui.
1. Inconstitucionalidade Formal. Direito do Trabalho. Competência Exclusiva da União.
Em primeiro lugar, o município é absolutamente incompetente – em termos constitucionais – para legislar sobre direito do trabalho, o que envolve normas de contratação de pessoal. Esta competência é exclusiva da União, conforme o art. 22,I, parte final, da Constituição de 1988.
Por mais louvável que possa parecer o mérito da matéria, ao defender os munícipes que pagam impostos naquela cidade e ajudam a subsidiar os custos sociais trazidos por estas Companhias, tal matéria não pode ser tratada pelos municípios ou Estados. Legislação semelhante do Estado de Santa Catarina, que reservava vagas para mulheres, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, vejamos:
Lei 11.562/2000 do Estado de Santa Catarina. Mercado de trabalho. Discriminação contra a mulher. Competência da União para legislar sobre direito do trabalho. (…) A Lei 11.562/2000, não obstante o louvável conteúdo material de combate à discriminação contra a mulher no mercado de trabalho, incide em inconstitucionalidade formal, por invadir a competência da União para legislar sobre direito do trabalho.” (ADI 2.487, rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJE de 28-3-2008.) No mesmo sentido: ADI 3.166, rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, DJEde 10-9-2010.
Portanto, integralmente inconstitucional a referida lei.
2. Inconstitucionalidade Material. Reserva de Vaga para Munícipes. Distinção entre Brasileiros. Impossibilidade. Art. 5º, § 2º, CF, e Art. 15, III, Constituição do Estado do Para.
Acaso não fosse suficiente, ao estabelecer a regra de 80% de vagas exclusivas para os Barcarenenses, a Lei Municipal está criando uma distinção grave entre brasileiros, o que é vedado pela Constituição da República e pela Constituição do Estado, vejamos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.”
Constituição do Estado:
“Art. 15 – É vedado ao Estado e aos Municípios:
III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”
É verdadeira expressão do princípio da igualdade, igualdade também de oportunidades, da solidariedade e da integração nacional. Os cargos e empregos públicos e privados são e devem ser igualmente acessíveis a todos os brasileiros, pois todos colaboram para o esforço nacional comum. O minério que é extraído no sul do Estado e processado em Barcarena é propriedade da União. Foram recursos federais, muitas vezes mediante empréstimos caríssimos, que erigiram nos anos 1970 e 1980 empresas como a ALBRAS/ALUNORTE, que – hoje privatizadas – criam empregos e deram causa ao pólo industrial de Barcarena, ou mesmo o Porto de Vila do Conde.
Todos os brasileiros, de uma forma ou de outra, colaboraram, com seus tributos para o desenvolvimento do município e, pelo princípio da igualdade, merecem igual respeito e consideração na fruição das oportunidades de emprego.
Sem esquecer que, ao assumirem eventual vaga, fixarão residência na cidade, pagarão IPTU pelos imóveis e consumirão serviços que certamente pagarão ISS à Prefeitura local. Portanto, esta distinção entre brasileiros é absolutamente desproporcional e indevida, inconstitucional por desrespeito à Constituição Federal e do Estado.
3. Inconstitucionalidade Material. Princípio da Livre-iniciativa
Não se pode deixar de mencionar o ferimento ao princípio da Livre-Iniciativa (arts. 1º,IV, 5º, II, XIII, XV, 170, II, IV e parágrafo único, todos da CF/88).
A livre-iniciativa e a liberdade contratual estão na base do capitalismo, modelo econômico adotado pela Constituição de 1988 e o único que se mostrou capaz de elevar continuamente a qualidade de vida da humanidade, pelo aumento da produtividade, da eficiência e da própria liberdade.
Sem esta liberdade garantida, os agentes econômicos – todos nós – são levados a tomar decisões não-ótimas, causando prejuízos difusos a toda a sociedade. No caso concreto, quando o âmbito dos candidatos a uma vaga de emprego é artificialmente reduzido, alguém capaz e necessitado permanece desempregado, enquanto um trabalhador menos produtivo é contratado, reduzindo a eficiência da empresa. Em tempos de globalização, a queda da eficiência reduz a competitividade internacional, afugenta investimentos e termina por reduzir os empregos e a renda para todos.
De outro lado, a reserva artificial de mercado para os munícipes cria um artificial pleno emprego – no caso apenas em vagas de baixa escolaridade – o que desincentiva investimentos públicos e privados em educação, e torna a sociedade barcarenense ainda mais dependente exclusivamente da economia do minério, que um dia se esgotará.
4. Conclusão
Inescapável concluir que a referida Lei Municipal fere a competência legislativa privativa da União, fere a igualdade entre os brasileiros e fere a liberdade de contratar e ser contratado das empresas e dos cidadãos, em total afronta a diversos dispositivos e princípios constitucionais federais e estaduais citados.
Urgente que os entes legitimados para a Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao TJPA (como MPE, OAB/PA e Governo do Estado, ou federação empresarial com atuação no setor) ou à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental adotem tais medidas, sob pena de caber apenas às empresas eventualmente prejudicadas buscar sua defesa em controle difuso de constitucionalidade casoacaso, aumentando a insegurança jurídica e prejudicando ainda mais o ambiente de negócios no Estado do Pará.
Autor: Fabio Monteiro Lima
